segunda-feira, 9 de outubro de 2017

ESTADO VEGETATIVO, ESTADO DE MÍNIMA CONSCIÊNCIA E COMA: AFINAL, QUAL A DIFERENÇA?

        ESTADO VEGETATIVO, ESTADO DE MÍNIMA CONSCIÊNCIA E COMA: AFINAL, QUAL A DIFERENÇA?

         Uma equipe de pesquisadores franceses conseguiu provocar o aparente retorno de respostas conscientes em um paciente há 15 anos em estado vegetativo. Os resultados foram publicados na revista Current Biology na última semana (1), e mostram que a resposta veio após 1 mês de tratamento baseado na estimulação do nervo vago - um nervo relacionado não só com a diminuição da frequência cardíaca ou sentimento de letargia depois de um almoço mais calórico do que deveria, mas também com a modulação do estado de alerta central (para a nossa sorte e a dos pesquisadores). 


O paciente estudado, que não mantinha qualquer indício de consciência como a conhecemos, passou a mexer sua cabeça sob comandos e seguir objetos com seus olhos – o que marcou a saída do estado vegetativo para um “estado de mínima consciência”. Em uma época marcada pela dificuldade na melhora do prognóstico de estados prolongados de perda de consciência, a descoberta é um grande avanço científico, ainda que tenha sido testada em apenas um paciente. A partir desse estudo, podemos esperar que diversos outros grupos de pesquisadores testem a técnica, o que nos dirá se, futuramente, poderemos utilizá-la no âmbito médico prático. 
A notícia causou seu esperado alvoroço na comunidade científica, mas a confusão na comunidade leiga talvez tenha sido mais pungente. Afinal de contas, o que é “estado vegetativo” ou “estado de mínima consciência”? Qual a diferença entre essas situações e um coma? Para esclarecer tais questionamentos, trazemos no post desta semana uma breve explanação sobre tais conformações de consciência.

CONTEÚDO E NÍVEL DE CONSCIÊNCIA

Antes de falarmos sobre os estados de consciência, precisamos delimitar alguns conceitos básicos. Operacionalmente, a consciência é definida como “um estado de perfeito conhecimento de si próprio e do ambiente” (2), e pode ser dividida em dois componentes: conteúdo e nível. O primeiro se refere às capacidades cognitivas e afetivas que fazem de nós “humanos” - dentre elas a linguagem, a memória, a afetividade e a capacidade de se divertir vendo vídeos de animais fofos no YouTube. O segundo, por sua vez, abarca o grau de alerta comportamental de um indivíduo, que pode estar desde acordado e responsivo até comatoso e irresponsivo.
O entendimento desses conceitos está no cerne da diferenciação do coma de um estado vegetativo, como é explicado a seguir.

O QUE É “ESTADO VEGETATIVO”?

 É um estado em que há ausência de funções cognitivas superiores – ou seja, do conteúdo da consciência – com manutenção da capacidade de alerta e vigília (2). Ocorre por lesões extensas aos hemisférios cerebrais que poupam suficientemente o diencéfalo e o tronco encefálico para manter as funções autonômicas, reflexas e de ciclo sono-vigília – funções relacionadas ao nível da consciência (3).
 Um paciente em estado vegetativo pode abrir os olhos e manter um ciclo de sono, “acordar” frente à estímulos sonoros ou luminosos e até realizar reflexos complexos, como bocejar, mastigar e, eventualmente, vocalizar (2). Dispensável dizer que tais reações muitas vezes são erroneamente interpretadas como indícios de consciência cortical, especialmente pela família do paciente.
As respostas vistas pelos pesquisadores franceses não são esperadas dentro de estados vegetativos e denotam certo conhecimento do paciente sobre o ambiente, compatível com o chamado “estado de mínima consciência”. A reversão de um estado vegetativo que persiste por mais de 1 ano é extremamente rara, o que torna o caso apresentado pelos pesquisadores ainda mais peculiar.

O QUE É “ESTADO DE MÍNIMA CONSCIÊNCIA”?

Sucede estados vegetativos que cursam com alguma melhora. Nessa situação, há sinais, ainda que mínimos, de consciência (2). Os atos de mexer a cabeça sob comando e seguir um objeto com os olhos, como atestado pelos pesquisadores, servem como demonstrativos de certo conhecimento sobre si e sobre o ambiente (1).

 E O QUE É “COMA”?

No coma, temos o cessar geral da consciência, com alteração tanto de seu conteúdo como de seu nível. Advém de grande lesão encefálica que envolve os hemisférios de modo difuso e/ou o tronco encefálico, cursando com ausência de indícios de alerta e consciência sobre si e o ambiente. Em geral, é sucedido por um estado vegetativo, com retorno da capacidade de vigília (2). 
Para fins didáticos, resumimos abaixo os pontos principais apresentados sobre cada estado de consciência.



Estado de Mínima Consciência
Estado Vegetativo

Coma
Lesão
Especialmente cortical
Especialmente cortical
Cortical difusa e/ou de tronco encefálico
Parte da Consciência atingida
Conteúdo
Conteúdo
Conteúdo e nível de consciência
Apresentação
Indícios de reconhecimento sobre si e acerca do ambiente
Vigília preservada, com possibilidade de abertura ocular e reflexos complexos (como bocejar e até vocalizar), mas sem sinais de consciência sobre si e sobre o meio.
Vigília e conteúdo da consciência estão ausentes, e o paciente não abre os olhos ou realiza reflexos mais complexos

            REFERÊNCIAS:

1.    Corazzol M, Lio G, Lefevre A, Deiana G, Tell L, André-Obadia N, et al. Restoring consciousness with vagus nerve stimulation. Curr Biol [Internet]. 2017;27(18):R994–6. Available from: http://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(17)30964-8  
2.    Rabello GD. Coma e Estados Alterados de Consciência. In: Nitrini R, Bacheschi LA, editors. A Neurologia que Todo Médico Deve Saber. 2a . São Paulo: Atheneu; 2003.
3.     Maiese K. Vegetative State and Minimally Conscious State [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 2]. Available from: http://www.msdmanuals.com/professional/neurologic-disorders/comaand-impaired-consciousness/vegetative-state-and-minimally-consciousstate

Por: Sterphany Ohana
Acadêmico de Medicina
Membro da LIPANI














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