ESTADO VEGETATIVO, ESTADO DE MÍNIMA CONSCIÊNCIA E COMA: AFINAL, QUAL A
DIFERENÇA?
Uma equipe de pesquisadores
franceses conseguiu provocar o aparente retorno de respostas conscientes em um
paciente há 15 anos em estado vegetativo. Os resultados foram publicados na
revista Current Biology na última semana (1), e mostram que a resposta veio
após 1 mês de tratamento baseado na estimulação do nervo vago - um nervo
relacionado não só com a diminuição da frequência cardíaca ou sentimento de
letargia depois de um almoço mais calórico do que deveria, mas também com a
modulação do estado de alerta central (para a nossa sorte e a dos
pesquisadores).
O paciente estudado, que não
mantinha qualquer indício de consciência como a conhecemos, passou a mexer sua
cabeça sob comandos e seguir objetos com seus olhos – o que marcou a saída do
estado vegetativo para um “estado de mínima consciência”. Em uma época marcada
pela dificuldade na melhora do prognóstico de estados prolongados de perda de
consciência, a descoberta é um grande avanço científico, ainda que tenha sido
testada em apenas um paciente. A partir desse estudo, podemos esperar que diversos
outros grupos de pesquisadores testem a técnica, o que nos dirá se,
futuramente, poderemos utilizá-la no âmbito médico prático.
A notícia causou seu esperado
alvoroço na comunidade científica, mas a confusão na comunidade leiga talvez
tenha sido mais pungente. Afinal de contas, o que é “estado vegetativo” ou
“estado de mínima consciência”? Qual a diferença entre essas situações e um
coma? Para esclarecer tais questionamentos, trazemos no post desta semana uma
breve explanação sobre tais conformações de consciência.
CONTEÚDO E NÍVEL DE CONSCIÊNCIA
Antes de falarmos sobre os
estados de consciência, precisamos delimitar alguns conceitos básicos.
Operacionalmente, a consciência é definida como “um estado de perfeito
conhecimento de si próprio e do ambiente” (2), e pode ser dividida em dois
componentes: conteúdo e nível. O primeiro se refere às capacidades cognitivas e
afetivas que fazem de nós “humanos” - dentre elas a linguagem, a memória, a
afetividade e a capacidade de se divertir vendo vídeos de animais fofos no
YouTube. O segundo, por sua vez, abarca o grau de alerta comportamental de um
indivíduo, que pode estar desde acordado e responsivo até comatoso e
irresponsivo.
O entendimento desses conceitos
está no cerne da diferenciação do coma de um estado vegetativo, como é
explicado a seguir.
O QUE É “ESTADO VEGETATIVO”?
É um estado em que há ausência de funções
cognitivas superiores – ou seja, do conteúdo da consciência – com manutenção da
capacidade de alerta e vigília (2). Ocorre por lesões extensas aos hemisférios
cerebrais que poupam suficientemente o diencéfalo e o tronco encefálico para
manter as funções autonômicas, reflexas e de ciclo sono-vigília – funções
relacionadas ao nível da consciência (3).
Um paciente em estado vegetativo pode abrir os
olhos e manter um ciclo de sono, “acordar” frente à estímulos sonoros ou
luminosos e até realizar reflexos complexos, como bocejar, mastigar e,
eventualmente, vocalizar (2). Dispensável dizer que tais reações muitas vezes
são erroneamente interpretadas como indícios de consciência cortical,
especialmente pela família do paciente.
As respostas vistas pelos
pesquisadores franceses não são esperadas dentro de estados vegetativos e
denotam certo conhecimento do paciente sobre o ambiente, compatível com o
chamado “estado de mínima consciência”. A reversão de um estado vegetativo que
persiste por mais de 1 ano é extremamente rara, o que torna o caso apresentado
pelos pesquisadores ainda mais peculiar.
O QUE É “ESTADO DE MÍNIMA
CONSCIÊNCIA”?
Sucede estados vegetativos que
cursam com alguma melhora. Nessa situação, há sinais, ainda que mínimos, de
consciência (2). Os atos de mexer a cabeça sob comando e seguir um objeto com
os olhos, como atestado pelos pesquisadores, servem como demonstrativos de
certo conhecimento sobre si e sobre o ambiente (1).
E O QUE É “COMA”?
No coma, temos o cessar geral da
consciência, com alteração tanto de seu conteúdo como de seu nível. Advém de
grande lesão encefálica que envolve os hemisférios de modo difuso e/ou o tronco
encefálico, cursando com ausência de indícios de alerta e consciência sobre si
e o ambiente. Em geral, é sucedido por um estado vegetativo, com retorno da
capacidade de vigília (2).
Para fins didáticos, resumimos abaixo os pontos
principais apresentados sobre cada estado de consciência.
Estado de Mínima
|
Estado Vegetativo
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Coma
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Lesão
|
Especialmente cortical
|
Especialmente cortical
|
Cortical difusa e/ou de tronco encefálico
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Parte da Consciência
atingida
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Conteúdo
|
Conteúdo
|
Conteúdo e nível de consciência
|
Apresentação
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Indícios de reconhecimento sobre si e acerca do
ambiente
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Vigília preservada, com possibilidade de abertura
ocular e reflexos complexos (como bocejar e até vocalizar), mas sem sinais de
consciência sobre si e sobre o meio.
|
Vigília e conteúdo da consciência estão ausentes, e
o paciente não abre os olhos ou realiza reflexos mais complexos
|
REFERÊNCIAS:
1.
Corazzol M, Lio G, Lefevre A, Deiana G, Tell L,
André-Obadia N, et al. Restoring consciousness with vagus nerve stimulation.
Curr Biol [Internet]. 2017;27(18):R994–6. Available from:
http://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(17)30964-8
2.
Rabello GD. Coma e Estados Alterados de
Consciência. In: Nitrini R, Bacheschi LA, editors. A Neurologia que Todo Médico
Deve Saber. 2a . São Paulo: Atheneu; 2003.
3.
Maiese K.
Vegetative State and Minimally Conscious State [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct
2]. Available from:
http://www.msdmanuals.com/professional/neurologic-disorders/comaand-impaired-consciousness/vegetative-state-and-minimally-consciousstate
Por: Sterphany Ohana
Acadêmico de Medicina
Membro da LIPANI
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