A história da cirurgia é um assunto que me prende a atenção. Saber como cada procedimento evoluiu, quantos cirurgiões e pacientes “deram a vida” (algumas vezes sem aspas) para um procedimento existir. A cirurgia é uma profissão definida pela sua autoridade para curar por meio de invasão corporal.
O termo cirurgia (do grego cheir – mão e ergon – trabalho) significa operação manual. Para auxiliar mais ainda a experiência manual do cirurgião utilizam-se os instrumentos cirúrgicos que facilitam ações como hemostasia e diérese. Os primeiros instrumentos cirúrgicos que se tem conhecimento foram descobertos em 2001 no deserto, próximo ao Cairo. Eram de bronze e, dentre eles, havia bisturis e agulhas. Provavelmente eram de um cirurgião faraônico que viveu há mais de 4000 anos.
Após a guerra civil americana (metade do séc. XIX) a cirurgia teve uma grande ascensão, período conhecido como “Era da Medicina Moderna”, novos procedimentos, novos instrumentos, grandes médicos cirurgiões. Em uma passagem da vida de dois grandes cirurgiões (consagrados até hoje) relata que Halsted quando em visita à clínica vianense de Billroth, em 1877, fez anotações alusivas ao uso das pinças hemostáticas que começavam a ser usadas rotineiramente.
Só a partir das últimas décadas do século XIX que o cirurgião de fato emergiu como especialista da medicina. E só a partir do início do século XX que cirurgião pôde ter título de profissão.
Nesses primeiros passos da cirurgia do século XIX não se tinha noção de anestesia, antissepsia e infecção. Diante do paciente com risco de morte e a cirurgia entrava para realizar um “tratamento” que pela maioria das vezes o mesmo sucumbia pela doença, ou pelo efeito cirúrgico, ou pela infecção, contudo a cirurgia era um instrumento válido para promover a cura.
No entanto, ao longo dos últimos dois séculos, a cirurgia tornou-se radicalmente mais eficaz, e a sua violência substancialmente reduzida - alterações que se revelaram fundamentais para o desenvolvimento das habilidades da humanidade para curar os doentes.
Um trecho do primeiro volume do renomado “New England Journal of Medicine and Surgery, and the Collateral Branches of Science, publicado em 1812, nos relata um caso de uma cirurgia oftalmológica para tratamento de catarata. O autor do artigo foi John Collins Warren, Cirurgião do Hospital geral de Massachusetts e filho de um dos fundadores da Escola Médica de Harvard. Ele descreveu a cirurgia da seguinte forma:
[…]“The eye-lids were separated by the thumb and finger of the left hand, and then, a broad cornea knife was pushed through the cornea at the outer angle of the eye, till its point approached the opposite side of the cornea. The knife was then withdrawn, and the aqueous humour being discharged, was immediately followed by a protrusion of the iris.”[…]
[…]“As pálpebras foram separadas por o polegar e o dedo do lado esquerdo, e, em seguida, uma ampla faca foi empurrada através da córnea, com o ângulo exterior do olho, até o seu ponto se aproximar do lado oposto da córnea. A faca foi então retirada, e o humor aquoso foi descarregado, imediatamente seguido por uma saliência da íris. ”[…]
Figura 1. Primeira operação que está sendo realizada com o uso de anestesia Éter (John Collins Warren como cirurgão) |
Após essa ousada publicação Warren disse para os alunos: "Anatomia é a base de Cirurgia, informa a cabeça, orienta o lado, e familiariza o coração a um tipo de desumanidade necessária."
Os cirurgiões foram muitas vezes insanos. Em 1831, por exemplo, Sr. Preston relatou um tratamento de Acidente Vascular Cerebral (AVC) agudo. A clínica do paciente era de dificuldade na fala e hemiparesia esquerda. Na época o tratamento era banho de sangue e depois aplicação de sanguessugas. Ele decidiu fazer a ligadura da artéria carótida comum direita do paciente. Em relato ele propôs que, o tratamento para reduzir o congestionamento e inflamação do cérebro era diminuir o fornecimento de sangue para o lado afetado. Por sorte o paciente sobreviveu andando com ajuda de uma bengala e falando normalmente. Preston ainda disse que no futuro serão ligadas as duas artérias carótidas. Felizmente o caso não teve repercussão.
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Referência:
1. Warren JC. Case of operation for secondary cataract. N Engl J Med Surg 1812;1:194-5.
2. Preston. Ligature of the carotid artery for hemiplegia, with a case in illustration.Boston Med Surg J 1831;5:92-5.
3. Sabston - Tratado de Cirurgia - 18 ed.
Por: Vernior Júnior Acadêmico de Medicina Presidente da LIPANI |