terça-feira, 7 de julho de 2015

Edema Cerebral: Citotóxico, Vasogênico e Intersticial

O edema cerebral está entre as principais causas de morbimortalidade em pacientes com lesão cerebral aguda. Como definição simplificada teremos um aumento do volume de água no conteúdo cerebral. A etiologia dessas lesões cerebrais são diversas e comumente incluem o Trauma Crânio Encefálico (TCE), Hemorragia subaracnóidea (HSA), Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCi), Hemorragia intracerebral, entre outras.

O edema cerebral é o acúmulo de líquido intracerebral podendo ser localizado ou difuso. De acordo com os mecanismos fisiopatológicos Klatzo em 1994 classificou o edema cerebral em citotóxico e vasogênico. Em 2005 Fishman acrescentou o subtipo intersticial. A depender do momento e curso da doença os subtipos podem ser conjugados.

Imagem 1. Dr. Igor Klatzo
O edema citotóxico é causado principalmente por isquemia cerebral, com evolução que depende de minutos ou horas podendo ser reversível, sendo caracterizado por uma lesão celular primária que leva a disfunção da bomba Na+ ATP-dependente. Daí existe um acúmulo do íon Na+ intracelular induzindo, consequentemente, a entrada de água (do meio extra celular para o intracelular) para dentro da célula. No início desse processo não ocorre edema cerebral pois o volume cerebral não se modifica, pois, a água apenas mudou sua localização, no que antes estava extracelular e agora intracelular.
Após um determinado tempo de evolução desse defeito de bomba Na+ ATP-dependente teremos a quebra da BHE. A partir daí o sistema antes isolado inicia a ter contribuição do conteúdo vascular, e inicia-se o processo de edema cerebral propriamente dito. Como as células da glia estão em maior número quando comparadas aos neurônios (20:1) e são mais suscetíveis a esse tipo de edema, isso levará a um rápido acúmulo de água intracelular.
O motivo pelo qual as células da glia serem mais aptos a esse edema é explicado pelo envolvimento delas com o clearence de K+ e glutamato. Durante uma isquemia há o aumento de glutamato no dialisado, provavelmente devido a diminuição da captação de glutamato pelas células gliais, devido à insuficiência energética celular. O glutamato promove a abertura de canais de Ca++ neuronais iniciando um afluxo patológico de cálcio levando consequentemente ao dano celular. Reinstrup et al. em 2000 relatou o valor normal de glutamato em pacientes sedados é de aproximadamente 10 µM e um pouco mais elevado em pacientes não sedados.
Em relação ao tratamento podemos falar que os esteroides são contraindicados para tratamento, diferentemente do manitol que pode ser uma solução para tratamento.

O edema vasogênico é uma lesão que afeta predominantemente a substância branca do cérebro pois é constituída de bandas paralelas de fibras sem interconexões solidas. Por apresentar alta densidade celular com muitas conexões intercelulares, a substancia cinzenta é menos suscetível ao edema. É tipicamente induzido pelas condições como hemorragias, infeções, convulsões, TCE, tumores, lesão por radiação e encefalopatias hipertensiva. É um edema que necessita de horas a dias para ser formado, e é considerado um processo irreversível.
Esse tipo de edema está diretamente ligado a condições que rompem a BHE devido ao aumento da permeabilidade vascular e consequente a fuga de componentes do plasma. A quebra da BHE promove o extravasamento do plasma e de seu conteúdo proteico, que é altamente osmótico. Esse extravasamento obedece à equação de Starling, relacionando as diferenças de pressão hidráulica e osmótica dos diferentes compartimentos. Esse tipo de edema também ocorre tardiamente em condições isquêmicas, como discutido anteriormente.
Em relação ao tratamento deste subtipo de edema pode-se falar que os efeitos de esteroides e manitol são eficazes.

O edema intersticial (Hidrocefálico) que se manifesta como hidrocefalia aguda ou crônica é uma consequência da deficiência de absorção que leva o aumento do líquido cefalorraquidiano (LCR). Estálocalizado no fluxo transependimário de LCR e edema intersticial na substancia branca periventricular, na hidrocefalia. Neste caso o fluido extracelular estará aumentado. Alguns autores costumam classificar o edema intersticial como subtipo especializado do vasogênico.
A forma de tratamento neste caso já é questionável em relação ao manitol e ineficaz quando se fala dos esteroides.

Clinicamente, qualquer subtipo de edema cerebral pode causar hipertensão intracraniana e agravar os sinais e sintomas da doença básica.
  
Imagem 2. Quando há edema o cérebro aumenta de volume e é comprimido contra a
superfície interna da calota craniana, que é lisa.
Isto leva a aplanamento dos giros e apagamento dos sulcos, que são o melhor meio
para diagnosticar edema cerebral na macroscopia.

Imagem 3. O intenso edema, acompanhado por hemorragia
subaracnóidea, foi causado por trauma de crânio. Unicamp.
Em geral, como aspecto macroscópico do cérebro com edema teremos como principal critério diagnóstico A convexidade dos hemisférios cerebrais que estará aplanada por compressão contra a superfície lisa do crânio, produzindo aplanamento dos giros e apagamento dos sulcos. Outros fatores que podemos observar são: aumento de peso e de volume; hérnias de um ou mais tipos; ao corte, aumento de volume de um ou ambos hemisférios; ventrículos reduzidos de volume (caso não seja do subtipo intersticial). O aspecto das substâncias branca e cinzenta difere pouco do normal, mas pode haver borramento do limite entre ambas. Em edemas de longa duração, como em volta de abscessos cerebrais crônicos, a substância branca pode ficar acinzentada ou esverdeada.
No aspecto microscópico analisaremos distintamente as substâncias branca e cinzenta. Iniciando com o edema da substância branca teremos a presença de uma textura mais frouxa do tecido, podendo-se às vezes individualizar axônios. Se a duração do edema é de semanas ou meses, pode haver degeneração dos axônios e proliferação de astrócitos (gliose). No edema da substância cinzenta visualizaremos aspecto microvacuolado ou espumoso do neurópilo, espaços vazios perineuroniais e perivasculares, devidos à entrada de água nos prolongamentos astrocitários, (só visível em microscopia eletrônica).

Imagem 4. TC de Crânio - Visualiza-se o apagamento dos sulcos e
giros e também do ventrículo lateral direito.
  
Referência

Andrade, Almir Ferreira de - Figueiredo, Eberval Gadelha - Teixeira, Manoel Jacobsen - Taricco, Mário Augusto - Amorim, Robson Luis Oliveira de - Paiva, Wellingson Silva. Neurotraumatologia. 1ª ed. Guanabara Koogan. 2015.

Anatomia Patológica - UNICAMP

Anish Bhardwaj, MD, FAHA, FCCM, FAAN; Marek A. Mirski, MD, PhD. Handbook of Neurocritical Care, Second Edition. 2011.

Hideaki Hara, *Paul L. Huang, Nariman Panahian, *Mark C. Fishman, and Michael A. Moskowitz. Reduced Brain Edema and Infarction Volume in Mice Lacking the Neuronal Isoform of Nitric Oxide Synthase After Transient MeA Occlusion. Journal of Cerebral Blood Flow and Metabolism. 1996.

Michel T. Torbey. Neurocritical Care. Medical College of Wisconsin Milwaukee, Wisconsin 2009.

John P. Adams; Dominic Bell; Justin McKinlay. Neurocritical Care. A Guide to Practical Management. Springer London Dordrecht Heidelberg New York. 2010.

Urban Ungerstedt, Med Dr, Professor emeritus Dept of Physiology and Pharmacology, Karolinska Institute Microdialysis in Neurointensive Care. 3d edition. Stockholm, Sweden. 2012.


Por: Vernior Júnior
Acadêmico de Medicina
Presidente da LIPANI

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Angioedema após infusão de alteplase no tratamento do AVCi

O angioedema é uma reação inflamatória potencialmente grave, sendo rara sua ocorrência no curso da trombólise. A incidência estimada de angiodema após o uso de alteplase no tratamento do AVCi varia de 0,02% a 5,1%.
O mecanismo do angiodema é a chamada reação anafilactoide, diferindo da reação anafilática, pois não há formação de IgE. Sua fisiopatogenia envolve a ativação do sistema fibrinolítico, com a clivagem do plasminogênio e formação de plasmina. A plasmina tem um papel fundamental no desencadeamento do angioedema, pois é responsável por converter o primeiro componente do sistema complemento (C1) na sua forma ativa, resultando na posterior ativação dos componentes C3 e C5, em suas formas ativas C3a e C5a, respectivamente. Esse sistema induz a liberação de histamina e outros mediadores inflamatórios, levando ainda ao aumento da bradicinina, um potente agente vasodilatador.
A bradicinina é inativada pela enzima conversa de angiotensina (ECA). Portanto, pacientes que fazem uso de inibidores de ECA (iECA) apresentam uma maior concentração desse peptídeo, tendo assim uma maior chance de desenvolver angioedema. O angioedema no tratamento do AVCi foi descrito pela primeira vez na literatura em 1997 em uma paciente que usava iECA. Pacientes que possuem uma deficiência de inibidor da esterase do complemento ou alguma anormalidade no metabolismo da bradicinina também possuem um maior risco de desenvolver angioedema.
Alguns autores defendem que o infarto do córtex da ínsula contralateral leva à desregulação autonômica e alterações do tônus vasomotor do lado hemiplégico. Associando-se a isso, a cascata da reação anafilactoide, resulta na localização do angioedema do lado parético. Isquemia insular pode estar associada a um maior risco de desenvolver angioedema.
Em todos os casos relatados o angioedema ocorreu entre 25 e 120 minutos após o início da terapia trombolítica. Por ser uma complicação potencialmente grave, a equipe assistencial deve estar ciente da possibilidade de sua ocorrência, para diagnosticar precocemente e instituir o tratamento o mais rápido possível.
A recomendação é que seja feita a inspeção cuidadosa da língua e da região orofaríngea a cada 30 minutos após o início da terapia com alteplase e ter particular atenção com aqueles pacientes que fazem uso de iECA, visando detectar o mais precocemente possível sinais de angioedema, levando ao pronto e efetivo tratamento.
O tratamento se baseia no uso de corticosteroides e anti-histamínicos, além de manter a via aérea do paciente, para isso a intubação orotraqueal pode ser necessária ou até mesmo procedimentos emergenciais como a cricotireoidostomia e ressuscitação. Essas medidas são eficazes na maioria dos casos, embora os dados disponíveis na literatura sejam oriundos de relatos de casos. O uso de adrenalina deve ser evitado devido o aumento do risco de hemorragia intracerebral com o aumento súbito da pressão arterial.

Referências:
1. Hill MD; Barber PA; Takahashi J; Demchuk AM; Feasby TE; Buchan AM. Anaphylactoid reactions and angioedema during alteplase treatment of acute ischemic stroke. CMAJ 2000; 162(9):1281-4.

2. Papamitsakis NIH; Kuyl J; Lutsep HL; Clark WM. Benign Angioedema After Throbolysis For Acute Stroke. Journal of Stroke and Cerebrovascular Diseases 2000. 9(2): 79-81.


3. Marrone LCP; Trentin S; Almeida AG; Gutierres LV; Marrone ACH; Martins SO; Friedrich MAG. Angioedema orolingual após infusão de alteplase no tratamento de acidente vascular cerebral. Relato de caso. Revista Brasileira de Neurologia 2009. 45(2): 35-38.

Por: Thiago Sipriano
Acadêmico de Medicina
Membro da LIPANI

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Aneurismas Múltiplos

A primeira revisão da literatura sobre aneurismas intracranianos múltiplos (AIM) foi publicada em 1955 por Bigelow, que identificou em uma série de 2.237 casos de aneurismas intracranianos, uma frequência de 10% de AIM.  Na atualidade, estima-se que 15% a 35% dos pacientes com aneurismas intracranianos apresentem aneurismas intracranianos múltiplos e esta frequência superior pode ser explicada pelos avanços nos exames diagnósticos e rastreio clínico. Estes casos implicam em um manejo terapêutico complexo e uma morbimortalidade superior quando comparados àqueles em que há apenas um aneurisma intracraniano. Vários são os fatores de risco associados à sua incidência e prevalência, entretanto, a patogênese e os mecanismos associados a esta condição clínica permanecem indeterminados.
O diagnóstico é realizado através da angiografia cerebral ou da angioRM. Estes exames determinam a quantidade de aneurismas, suas localizações, morfologias, dimensões e relações topográficas, o que é fundamental para o planejamento terapêutico. Spotti et al demonstrou em seu estudo que a angiografia cerebral possuía uma sensibilidade superior em relação à angioRM, mas que os resultados de ambas na definição do número, topografia e tamanho médio dos aneurismas foram semelhantes. Entretanto, a angioRM tem como vantagens ser um exame não-invasivo, rápido e menos oneroso.  
A abordagem dos AIM pode ser feita pela clipagem microcirúrgica ou pela técnica endovascular, através da embolização com coil. A escolha do tratamento considera as características morfológicas dos AIM, a idade e status clínico do paciente, além da técnica e experiência do neurocirurgião ou neurorradiologista. Estudos indicam que o tratamento cirúrgico, embora associado a uma alta incidência de complicações, apresenta uma frequência de obliteração completa superior e um risco de recanalização inferior quando comparado à abordagem endovascular, sendo realizado, frequentemente, através de uma craniotomia e em um único estágio. Esta abordagem é a mais adequada para pacientes com idade inferior a 50 anos e status clínico razoável. Entretanto, há divergências na literatura, uma vez que outros estudos demonstram uma eficácia similar e uma morbimortalidade inferior do tratamento endovascular, sobretudo com o advento de novas tecnologias.

REFERÊNCIAS

1- KAMINOGO M, YONEKURA M, SHIBATA S. Incidence and outcome of multiple intracranial aneurysms in a defined population. Stroke. 2003;34(1):16–21.
2- QURESHI AI, SUAREZ JI, PAREKH PD, SUNG G, GEOCADIN R, BHARDWAJ A, TAMARGO RJ, ULATOWSKI JA. Risk factors for multiple intracranial aneurysms. Neurosurgery. 1998;43(1):22–26
3- SPOTTI, Antonio Ronaldo et al . Angiografia pela ressonância magnética nos aneurismas intracranianos: estudo comparativo com a angiografia cerebral. Arq. Neuro-Psiquiatr.,  São Paulo ,  v. 59, n. 2B, p. 384-389, June  2001
4- LYNCH, José Carlos; ANDRADE, Ricardo Alves de. Aneurismas intracranianos múltiplos. Arq. Neuro-Psiquiatr.,  São Paulo ,  v. 50, n. 1, p. 16-23, Mar.  1992.
5- CARVALHO, Pablo Rodrigues de et al. Microcirurgia para aneurismas intracranianos múltiplos: série de 29 casos.  Arq. Bras. Neurocir, São Paulo, v. 33, n. 2, p.88-94, 2014

Por: Fernanda Figueiredo
Acadêmica de Medicina
Convidada da LIPANI