quarta-feira, 25 de outubro de 2017



PADRÃO PUPILAR



Os músculos dilatadores e constritores da pupila são inervados por neurônios simpáticos e parassimpáticos, e disso depende o tamanho e a reatividade pupilar.


Figura 01. Fonte: https://www.google.com.br/search?q=lesoes+mesencefalicas+pupilas+medias&source=lnms&tbm


O sistema simpático estimula a contração dos músculos dilatadores da pupila, determinando midríase e o sistema parassimpático, a contração dos músculos constritores da pupila, levando a miose. Em repouso, há uma ação tônica contínua tanto do sistema simpático, quanto do parassimpático. Se houver comprometimento de uma das vias simpática ou parassimpática, o efeito no tamanho da pupila, miose ou midríase, dependerá da ação do sistema menos acometido ou intacto. Portanto, lesões em neurônios da via simpática levam a miose, e da via parassimpática, a midríase.

A via simpática pupilo-dilatadora tem origem no hipotálamo. Dessa forma, sabe-se que lesões hipotalâmicas podem produzir constrição pupilar ipsilateral, geralmente associado com ptose e anidrose (Sindrome de Horner).


Fonte: https://www.google.com.br/search?q=SINDROME+HORNER&dcr=0&source=
Figura 02. Síndrome de Horner: olho direito com miose ipsilateral e ptose.



Já lesões talâmicas podem levar a pupilas pequenas e reativas, chamadas pupilas diencefálicas. 


Figura 03: Pupilas diencefálicas.
Fonte: https://www.google.com.br/search?q=pupilas+diencefalicas&source=lnms&tbm=

A via parassimpática aferente inicia-se nas células preganglionares retinianas e segue através do nervo e trato optico até chegarem na região pré-tectal. A via eferente segue através do nervo óculo-motor a partir do núcleo de Edinger-Westphal, localizado no mesencéfalo, e vai inervar os músculos pupilo-constritores. O reflexo pupilar consiste na contração pupilar após estímulo luminoso, através da via parassimpática.

Lesões mesencefálicas podem produzir três tipos de alterações pupilares dependendo da localização. Lesões nas regiões tectais dorsais interrompem a reação pupilar à luz, levando a pupilas médias ou pouco dilatadas (5 a 6mm) e fixas.

Já lesões nucleares mesencefálicas comprometem tanto a via simpática quanto a parassimpática, levando a pupilas médio-fixas (4 a 5 mm), geralmente relacionadas a herniação transtentorial.  



Fonte: http://areadewernicke.blogspot.com.br/2015/03/reflexo-pupilar.html   
   Figura 04: pupilas médio- fixas.
Lesão do III nervo craniano (inerva músculo constritor da pupila, entre outros) bilateral levam a midríase paralítica, geralmente relacionada a herniação uncal.

Figura 05. Midríase.
Fonte: https://www.google.com.br/search?dcr=0&biw=1366&bih


Lesões no tegumento pontino interrompem as vias descendentes simpáticas (responsáveis pela midríase), levando a miose bilateral com preservação do reflexo pupilar a luz.

As drogas anticolinérgicas (antagonizam o efeito da acetilcolina), como atropina ou escopolamina, podem levar a dilatação pupilar. Isso se deve ao fato de a midríase ser efeito anticolinérgico.

Opiáceos, como heroína e morfina, podem levar a miose, semelhante a hemorragia pontina. 

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Almir Ferreira de et al. Coma e outros estados de consciência. Revista de Medicina, São Paulo, v86, n. 3, p. 123-131, sep 2007. ISSN 1679-9836. Disponível em: http://www.revista.usp.br/revistadc/article/view/59185, Acesso em: 23 out. 2017. Doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1679-9836.v86i3p123-131

GARCIA, Marcelo de Mattos; MARTINS, José Carlos Tadeu. Avaliação por imagem das lesões isoladas do III par craniano. Radiol Bras,  São Paulo ,  v. 38, n. 3, p. 219-223,  June  2005 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-39842005000300011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em  23  Out.  2017.  http://dx.doi.org/10.1590/S0100-39842005000300011.




Por: Isabelle Gomes
Acadêmica de Medicina
Membro da Lipani



segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Frenologia: Primórdios dos conhecimentos topográficos cerebrais



A Frenologia surgiu a partir das observações do médico e anatomista alemão Franz Joseph Gall (Tiefenbronn, 1758 - Paris, 1828), e de seu colega Johann Gaspar Spurzheim, inferindo que distintas funções mentais são localizadas em diferentes partes do cérebro. No seu principal trabalho "A Anatomia e Fisiologia do Sistema Nervoso em Geral, e do Cérebro em Particular" (Untersuchungen ueber die Anatomie des Nervensystems ueberhaupt, und des Gehirns insbesondere), Gall estabeleceu os princípios nos quais baseou sua doutrina.

No ano de 1793, Gall convenceu-se que havia descoberto regiões no córtex cerebral onde faculdades universais inatas estariam presentes. Ele assim os denominou “Orgãos”, um termo comumente utilizado para as áreas específicas do córtex, em Viena, local onde teve sua formação médica. Gall, então, começou a colecionar crânios humanos e de animais e moldes de cera de cérebros, a fim de estudar o desenvolvimento dos contornos cranianos com os comportamentos característicos associados a animais, deliquentes, indigentes e pacientes com problemas psiquiátricos.

Sua coleção de caveiras, bem como moldes de gesso e cabeças e crânios, tornou-se tão extensa, e sua energia em colecioná-los tão exagerada que ele se tornou uma celebridade local. Em 1802, a coleção consistia em 300 crânios humanos e 120 moldes de gesso.

A partir das análises anatômicas dos crânios por Gall, foram fundamentados os seguintes conceitos:
1. O cérebro é o órgão da mente.
2. A mente é composta por faculdades múltiplas, distintas e inatas.
3. Por serem distintos, cada faculdade deve ter uma localização ou "órgão" separado no cérebro.
4. O tamanho de um órgão, comparado a outros equivalentes, é uma medida de seu funcionamento.
5. A forma do cérebro é determinada pelo desenvolvimento dos vários órgãos.
6. À medida que o crânio toma a forma do cérebro, a superfície do crânio pode ser lida como um índice preciso de aptidões e tendências psicológicas.

Por isso, acreditava-se que, examinando a forma e a irregularidade de uma cabeça ou crânio, poderia descobrir o desenvolvimento dos "órgãos" cerebrais específicos responsáveis ​​por diferentes aptidões intelectuais e traços de caráter. Por exemplo, uma protuberância proeminente na testa, posição atribuída ao órgão da Benevolência, significava que o indivíduo tinha um órgão "bem desenvolvido" de Benevolência e, portanto, seria esperado que exibisse um comportamento benevolente.


Com suas idéias de localização, Gall foi a primeira pessoa a criar uma teoria da doença mental localizada. Para Gall, uma doença mental era uma doença cerebral. Além disso, Gall foi o primeiro a promover a distinção entre responsabilidade criminal e crime como resultado de defeitos somáticos.

Antes que seus trabalhos pudessem ser publicados, suas palestras foram banidas pelo imperador austríaco Franz II em dezembro de 1801. A igreja também considerou a teoria dele como contrária à religião pois era uma heresia acreditar que a mente, criada por Deus, tinha um local físico. Apesar de que muitos evangélicos devotos viram nos órgãos Veneração e Maravilha evidências e vestígios do Criador.

Sendo assim, Gall decide mudar-se para Berlim onde suas obras tornam-se mundialmente conhecidas e divulgadas. Utilizadas, posteriormente, neste mesmo país, como pretexto eugênico no período do terceiro Reich.

Ironicamente, apesar da maioria das premissas básicas da frenologia terem sido consideradas pseudociência, as leituras dos comportamentos e a sua relação com o crânio não foram. O princípio de que as funções específicas cerebrais estão localizadas em topografias determinadas é agora conhecimento comum demonstradas por técnicas modernas de imagem, como a ressonância magnética funcional (FMRI). Esta doutrina que possibilita a visualização precisa de uma determinada função quando ela está sendo realizada é chamada de localizacionismo cerebral.

Em 1861, já foi correlacionado por Broca o fenômeno clínico da afasia motora com o achado patológico de lesão específica da porção posterior do giro frontal inferior, constituindo base de estudos paleontológicos atuais dos crânios de hominídeos primitivos para determinar os formatos dos cérebros e a presença de um nó alargado na região de Broca provando assim a origem do uso de nossa linguagem verbal. Além disso, é também confirmado que as áreas do cérebro que são mais frequentemente utilizadas podem hipertrofiar-se, como por exemplo, o hipocampo direito dos taxistas de Londres. Esta é essencialmente a frenologia sob uma nova aparência.

Além de ser visto atualmente como o pioneiro em determinar localizações cerebrais específicas, Gall também fez muitas contribuições para a "ciência real", tais como a sua descoberta de que a matéria cinzenta do cérebro contem corpos celulares e a matéria branca fibras axonais.

Referências:
1- Simpson D. Phrenology and the neurosciences: contributions of F. J. Gall and J. G. Spurzheim. ANZ J Surg, 2005
2- Gall, F.J., & Spurzheim, J.G., Anatomie et physionomie du système nerveux en général et du cerveau en particulier . Premier volume. Anatomie et physiologie du système nerveux en général et anatomie du cerveau en particulier . Paris, F. Schoell, 1810
3- Sabbatini R. Frenologia: A história da localização cerebral, cerebromente.org.br/n01/frenolog/frenologia_port.htm














Por: Igor Rafael Miranda F. Santander
Acadêmico de Medicina
Membro da LIPANI

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

ESTADO VEGETATIVO, ESTADO DE MÍNIMA CONSCIÊNCIA E COMA: AFINAL, QUAL A DIFERENÇA?

        ESTADO VEGETATIVO, ESTADO DE MÍNIMA CONSCIÊNCIA E COMA: AFINAL, QUAL A DIFERENÇA?

         Uma equipe de pesquisadores franceses conseguiu provocar o aparente retorno de respostas conscientes em um paciente há 15 anos em estado vegetativo. Os resultados foram publicados na revista Current Biology na última semana (1), e mostram que a resposta veio após 1 mês de tratamento baseado na estimulação do nervo vago - um nervo relacionado não só com a diminuição da frequência cardíaca ou sentimento de letargia depois de um almoço mais calórico do que deveria, mas também com a modulação do estado de alerta central (para a nossa sorte e a dos pesquisadores). 


O paciente estudado, que não mantinha qualquer indício de consciência como a conhecemos, passou a mexer sua cabeça sob comandos e seguir objetos com seus olhos – o que marcou a saída do estado vegetativo para um “estado de mínima consciência”. Em uma época marcada pela dificuldade na melhora do prognóstico de estados prolongados de perda de consciência, a descoberta é um grande avanço científico, ainda que tenha sido testada em apenas um paciente. A partir desse estudo, podemos esperar que diversos outros grupos de pesquisadores testem a técnica, o que nos dirá se, futuramente, poderemos utilizá-la no âmbito médico prático. 
A notícia causou seu esperado alvoroço na comunidade científica, mas a confusão na comunidade leiga talvez tenha sido mais pungente. Afinal de contas, o que é “estado vegetativo” ou “estado de mínima consciência”? Qual a diferença entre essas situações e um coma? Para esclarecer tais questionamentos, trazemos no post desta semana uma breve explanação sobre tais conformações de consciência.

CONTEÚDO E NÍVEL DE CONSCIÊNCIA

Antes de falarmos sobre os estados de consciência, precisamos delimitar alguns conceitos básicos. Operacionalmente, a consciência é definida como “um estado de perfeito conhecimento de si próprio e do ambiente” (2), e pode ser dividida em dois componentes: conteúdo e nível. O primeiro se refere às capacidades cognitivas e afetivas que fazem de nós “humanos” - dentre elas a linguagem, a memória, a afetividade e a capacidade de se divertir vendo vídeos de animais fofos no YouTube. O segundo, por sua vez, abarca o grau de alerta comportamental de um indivíduo, que pode estar desde acordado e responsivo até comatoso e irresponsivo.
O entendimento desses conceitos está no cerne da diferenciação do coma de um estado vegetativo, como é explicado a seguir.

O QUE É “ESTADO VEGETATIVO”?

 É um estado em que há ausência de funções cognitivas superiores – ou seja, do conteúdo da consciência – com manutenção da capacidade de alerta e vigília (2). Ocorre por lesões extensas aos hemisférios cerebrais que poupam suficientemente o diencéfalo e o tronco encefálico para manter as funções autonômicas, reflexas e de ciclo sono-vigília – funções relacionadas ao nível da consciência (3).
 Um paciente em estado vegetativo pode abrir os olhos e manter um ciclo de sono, “acordar” frente à estímulos sonoros ou luminosos e até realizar reflexos complexos, como bocejar, mastigar e, eventualmente, vocalizar (2). Dispensável dizer que tais reações muitas vezes são erroneamente interpretadas como indícios de consciência cortical, especialmente pela família do paciente.
As respostas vistas pelos pesquisadores franceses não são esperadas dentro de estados vegetativos e denotam certo conhecimento do paciente sobre o ambiente, compatível com o chamado “estado de mínima consciência”. A reversão de um estado vegetativo que persiste por mais de 1 ano é extremamente rara, o que torna o caso apresentado pelos pesquisadores ainda mais peculiar.

O QUE É “ESTADO DE MÍNIMA CONSCIÊNCIA”?

Sucede estados vegetativos que cursam com alguma melhora. Nessa situação, há sinais, ainda que mínimos, de consciência (2). Os atos de mexer a cabeça sob comando e seguir um objeto com os olhos, como atestado pelos pesquisadores, servem como demonstrativos de certo conhecimento sobre si e sobre o ambiente (1).

 E O QUE É “COMA”?

No coma, temos o cessar geral da consciência, com alteração tanto de seu conteúdo como de seu nível. Advém de grande lesão encefálica que envolve os hemisférios de modo difuso e/ou o tronco encefálico, cursando com ausência de indícios de alerta e consciência sobre si e o ambiente. Em geral, é sucedido por um estado vegetativo, com retorno da capacidade de vigília (2). 
Para fins didáticos, resumimos abaixo os pontos principais apresentados sobre cada estado de consciência.



Estado de Mínima Consciência
Estado Vegetativo

Coma
Lesão
Especialmente cortical
Especialmente cortical
Cortical difusa e/ou de tronco encefálico
Parte da Consciência atingida
Conteúdo
Conteúdo
Conteúdo e nível de consciência
Apresentação
Indícios de reconhecimento sobre si e acerca do ambiente
Vigília preservada, com possibilidade de abertura ocular e reflexos complexos (como bocejar e até vocalizar), mas sem sinais de consciência sobre si e sobre o meio.
Vigília e conteúdo da consciência estão ausentes, e o paciente não abre os olhos ou realiza reflexos mais complexos

            REFERÊNCIAS:

1.    Corazzol M, Lio G, Lefevre A, Deiana G, Tell L, André-Obadia N, et al. Restoring consciousness with vagus nerve stimulation. Curr Biol [Internet]. 2017;27(18):R994–6. Available from: http://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(17)30964-8  
2.    Rabello GD. Coma e Estados Alterados de Consciência. In: Nitrini R, Bacheschi LA, editors. A Neurologia que Todo Médico Deve Saber. 2a . São Paulo: Atheneu; 2003.
3.     Maiese K. Vegetative State and Minimally Conscious State [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 2]. Available from: http://www.msdmanuals.com/professional/neurologic-disorders/comaand-impaired-consciousness/vegetative-state-and-minimally-consciousstate

Por: Sterphany Ohana
Acadêmico de Medicina
Membro da LIPANI